Os Papas e Fátima
A relação dos Papas com Fátima tem ganho uma visibilidade maior desde as viagens pontifícias realizadas por Paulo VI e, sobretudo, João Paulo II. Mais cedo, contudo, se começara a manifestar o interesse do Bispo de Roma por Fátima e pela sua mensagem.
A 31 de Outubro de 1942, Pio XII - consagrado bispo precisamente no dia 13 de Maio de 1917, dia da primeira aparição -, consagrou o mundo ao Imaculado Coração de Maria, em plena II Guerra Mundial. Na sua radiomensagem, falou em português a todos os que subiram "à montanha santa de Fátima", para depositar aos pés da Virgem Padroeira "o tributo filial do vosso amor aprisionado".
"Rainha do Santíssimo Rosário, Refúgio do género humano, nós confiamos, entregamos, consagramos, não só a Santa Igreja, Corpo místico do Vosso Jesus, mas também todo o mundo", referiu.^
O mesmo Papa, no dia 13 de Maio de 1946, enviou a Fátima, como seu representante, o Cardeal Masella para coroar a imagem de Nossa Senhora e dirigiu, uma vez mais, a sua mensagem em português aos peregrinos ali reunidos e a todo o mundo.
O Beato João XXIII visitou Fátima no dia 13 de Maio de 1956, quando era ainda Patriarca de Veneza. Recordando, mais tarde, esta visita, dirá: "Ó Senhora da Fátima, agradeço-te mais uma vez teres-me convidado para este festim de misericórdia e de amor".
Paulo VI foi o primeiro Papa a vir pessoalmente a Fátima, como peregrino de Nossa Senhora, a 13 de Maio de 1967. Na homilia proferida durante a celebração eucarística, Paulo VI começou logo por dizer: "Tão grande é o Nosso desejo de honrar a Santíssima Virgem Maria, Mãe de Cristo e, por isso, Mãe de Deus e Mãe nossa, tão grande é a Nossa confiança na sua benevolência para com a santa Igreja e para com a Nossa missão apostólica, tão grande é a Nossa necessidade da sua intercessão junto de Cristo, seu divino Filho, que viemos, peregrino humilde e confinante, a este Santuário bendito, onde se celebra hoje o cinquentenário das aparições de Fátima e onde se comemora o vigésimo quinto aniversário da consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria".
Peregrino de Fátima
Entre os portugueses João Paulo II vai ficar na história como o "Papa de Fátima", Santuário que visitou por três ocasiões.
A ideia pode parecer excessiva, mas há bons motivos para este título: a intercessão de Nossa Senhora de Fátima na recuperação de um atentado e a beatificação dos Pastorinhos são momentos notáveis destes 25 anos de Pontificado onde João Paulo II manifestou, por diversas vezes, a sua fé e devoção mariana.
Simbolicamente, a bala que lhe atravessou o abdómen no dia 13 de Maio de 1981 repousa hoje na imagem da Virgem na Cova da Iria. A mesma imagem que, em 2000, o Papa colocou entre os bispos de todo o mundo, consagrando-lhe o terceiro milénio.
A anterior consagração da Rússia ao coração Imaculado de Maria, gesto repleto de simbolismo religioso e político, liga-se umbilicalmente a toda a mensagem de Fátima.
Em Maio de 1982, no aniversário desse primeiro atentado contra a sua vida, Karol Wojtyla chegava a Fátima para "agradecer à Divina Providência neste lugar que a mãe de Deus parece ter escolhido de modo tão particular". Ignorava então que voltaria a correr perigo na noite de dia 13, desta vez pelo ex-sacerdote integrista Juan Khron, mas João Paulo II escapou ileso, podendo agradecer à Virgem a salvação da sua vida.
Voltaria nove anos depois. A 10 Maio de 1991, João Paulo II celebrou missa no Estádio do Restelo. Viajaria depois para os Açores e Madeira e, inevitavelmente, terminaria o itinerário no Santuário de Fátima.
Em Maio de 2000, regressou para oficializar a beatificação dos pastorinhos. Uma decisão assumida contra os serviços burocráticos do Vaticano, que chegaram a agendar a cerimónia para 9 de Abril na Praça de São Pedro.
A revelação da ligação do atentado de 1981 à terceira parte do segredo de Fátima (uma mensagem anunciada por Nossa Senhora aos Pastorinhos em Julho de 1917 e escrita por Lúcia na década de 40) justifica, em boa parte, a razão desta cumplicidade entre o Papa e o Santuário.
João Paulo II sempre se mostrou seguro de que "uma mão maternal" guiou a trajectória da bala naquela tarde de Maio de 1981. Quando a Irmã Lúcia faleceu, no dia 13 de Fevereiro de 2005, o Papa mostrou-se muito emocionado ao lembrar "os encontros que tive com ela e os laços de amizade espiritual que se reforçaram com o passar dos anos".
Bento XVI
O actual Papa recusou um convite para visitar o Santuário em 2007, mas enviou como Legado Pontifício para as solenes celebrações de abertura do 90.º aniversário das aparições de Nossa Senhora, a 13 de Maio, o antigo Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Angelo Sodano.
Na carta que enviou ao Cardeal Sodano, o Papa assinala a sua passagem pelo Santuário (13 de Outubro de 1996) e recordou a sua ligação a Fátima, nos tempos de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
"Nós, que já visitámos esse santuário e, como Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, estudámos a mensagem confiada pela Bem-aventurada Virgem Maria aos pastores, desejamos que proponhas novamente aos fiéis o valor da oração do santo rosário, bem como esta mensagem, para que se consigam os favores e graças que a própria Mãe do Redentor prometeu aos devotos do seu Imaculado Coração", aponta.
O actual Papa foi o responsável, ainda como Cardeal Joseph Ratzinger, pelo comentário teológico da terceira parte do segredo, publicado nas "Memórias da Irmã Lúcia"/ Apêndice III.
Bento XVI assinala que, desde a aparição aos pastorinhos, muitos foram os fiéis que acorreram à Cova da Iria para pedir a protecção de Nossa Senhora nas suas dificuldades. "Há noventa anos, a celeste Rainha da Paz (...) apareceu em Fátima a três pastorinhos, cheios de espanto, enquanto guardavam o seu rebanho. Ao seu amparo têm recorrido muitos fiéis que nos vários perigos se valem da sua protecção", relembra.
Papa Francisco
(artigo de Octávio Carmo até Papa Francisco)
O relato das aparições marianas na Cova da Iria, em 1917, e a devoção dos portugueses pela 'Senhora da Fátima' estão desde o seu início ligados à figura do Papa.
Bento XV, Papa entre setembro de 1914 e janeiro de 1922, é a referência abstrata dos Pastorinhos quando estes falam e rezam pelo "Santo Padre"; o pontífice que viveu a I Guerra Mundial tinha enviado uma carta aos bispos de todo o mundo, uma semana antes do 13 de maio de 1917, para que fizessem uma invocação a Nossa Senhora a Paz.
"Queremos que à Grande Mãe de Deus, nesta hora terrível, mais do que nunca se dirija vivo e confiante o pedido dos seus filhos aflitíssimos", lia-se na carta assinada no dia 5 de maio de 1917.
O primeiro gesto de aproximação e devoção dá-se com Pio XI, em 1929, com a chamada 'aprovação implícita', quando este distribui aos alunos do Colégio Português, em Roma, estampas da Virgem de Fátima com a invocação "Mãe clementíssima, salvi Portugal".
A 9 de janeiro de 1929, Pio XI recebeu em audiência os alunos do Pontifício Colégio Português de Roma. No final do encontro, leu em português a invocação referindo ter recebido as estampas naquele mesmo dia, vindas de Portugal, e distribuindo duas por cada aluno.
As estampas, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima, tinham sido impressas pelo Apostolado da Imprensa e exibiam o 'imprimatur' do bispo de Leiria, D. José Alves Correia da Silva, datado de 17 de maio de 1926.
Ainda em 1929, a 6 de dezembro, o Papa Pio XI benzeu uma imagem de Nossa Senhora de Fátima destinada àquele Colégio de Roma; a imagem tinha sido esculpida pelo mesmo autor daquela que se encontra na Capelinha das Aparições, José Ferreira Thedim.
A 1 de outubro de 1930, o Papa Pio XI concede indulgências plenárias aos peregrinos de Nossa Senhora de Fátima, ainda antes da publicação da Carta Pastoral do bispo de Leiria, na qual se consideram "dignas de crédito" as Aparições de Nossa Senhora relatadas pelos três Pastorinhos (13 de outubro de 1930).Na Carta Apostólica Ex officiosis litteris, de 1934, o Papa atestava "os extraordinários benefícios com que a Virgem Mãe de Deus acabava de favorecer" Portugal.
À entrada da Basílica de Nossa Senhora do Rosário, por cima da porta principal, encontra-se um mosaico que representa a Santíssima Trindade a coroar Nossa Senhora, obra das oficinas do Vaticano, no pontificado de Pio XI, que foi abençoado pelo cardeal Eugénio Pacelli.
O futuro Papa Pio XII, cujo pontificado atravessou a II Guerra Mundial, foi o primeiro pontífice a ser chamado "Papa de Fátima", tendo consagrado a dimensão universal da mensagem transmitida na Cova da Iria, em 1917.
Em 1940, Pio XII referiu-se a Fátima pela primeira vez num texto pontifício oficial, a encíclica 'Saeculo exeunte octavo', escrita para exortar a Igreja em Portugal a aumentar a sua atividade missionária. "Que os fiéis não esqueçam, especialmente quando rezarem o Terço, tão recomendado pela Santíssima Virgem Maria em Fátima, de pedir à Virgem Mãe de Deus que faça aparecer vocações missionárias, com frutos abundantes para o maior número possível de almas", pedia o Papa italiano.
Em carta dirigida ao Papa Pio XII, a 2 de dezembro de 1940, a irmã Lúcia, a mais velha das videntes de Fátima, pedia que fosse atendido o pedido de Nossa Senhora, reafirmado em aparições posteriores na Galiza, para que fosse proclamada a devoção ao Imaculado Coração de Maria e a consagração do mundo, e em especial da Rússia, ao Coração de Maria.
A primeira posição oficial pública do Vaticano sobre Fátima acontece com Pio XII, em 31 de outubro de 1942, 25 anos depois das aparições: nessa data, em plena II Guerra Mundial, o Papa consagra o mundo ao Imaculado Coração de Maria. "A Vós, ao vosso Coração Imaculado, nesta hora trágica da história humana, confiamos, entregamos, consagramos não só a Santa Igreja, corpo místico de vosso Jesus, que pena e sangra em tantas partes e por tantos modos atribulada, mas também todo o mundo, dilacerado por exiciais discórdias, abrasado em incêndios de ódio, vítima de sua próprias iniquidades".
Quatro anos depois, em 13 de maio de 1946, Pio XII enviou o cardeal Aloisi Masella a Fátima para coroar a imagem de Nossa Senhora. A 13 de outubro de 1951, assinalando o final do Ano Santo jubilar, Pio XII associa-se à conclusão das celebrações marianas em Fátima.
O Beato João XXIII visitou Fátima no dia 13 de Maio de 1956, quando era ainda Patriarca de Veneza. Recordando, mais tarde, esta visita, dirá: "Ó Senhora da Fátima, agradeço-te mais uma vez teres-me convidado para este festim de misericórdia e de amor".
As viagens dos Papas
As viagens internacionais dos Papas modernos são uma novidade que remonta à segunda metade do século XX, com o pontificado de Paulo VI (1897-1978). Portugal entraria na rota dessas visitas apostólicas logo na quinta viagem deste pontífice italiano, a 13 de maio de 1967, por ocasião do 50.º aniversário das aparições marianas, reconhecidas pela Igreja Católica, na Cova da Iria.
Paulo VI quis vir pessoalmente a Fátima, como peregrino, a 13 de maio de 1967, tendo decidido que o avião que o transportou desde Roma aterrasse em Monte Real, ficando alojado na então Diocese de Leiria (hoje Leiria-Fátima); além da homilia na Missa do 13 de maio, no 50.º aniversário das Aparições, Paulo VI teve outras seis intervenções.
João Paulo II, que a 13 de maio de 1981 tinha sido atingido a tiro na Praça de São Pedro, num atentado contra a sua vida, veio à Cova da Iria um ano depois, agradecer publicamente a intercessão de Nossa Senhora de Fátima na sua recuperação. Em maio de 1982, no aniversário desse primeiro atentado contra a sua vida, Karol Wojtyla (1920-2005) chegava a Fátima para "agradecer à Divina Providência neste lugar que a mãe de Deus parece ter escolhido de modo tão particular"; passou ainda por Lisboa, Vila Viçosa, Coimbra, Braga e Porto, ao longo de quatro dias (12-15 de maio), proferindo um total de 22 intervenções.
O Papa polaco voltou a Portugal nove anos depois: a 10 maio de 1991, João Paulo II celebrou Missa no Estádio do Restelo e viajaria depois para os Açores e Madeira, antes de centrar-se no Santuário de Fátima, nos dias 12 e 13 maio. Durante quatro dias, São João Paulo II proferiu 12 intervenções e enviou ainda uma carta, desde a Cova da Iria, aos bispos católicos da Europa, que preparavam uma assembleia especial do Sínodo dos Bispos, dedicada ao Velho Continente.
A 12 e 13 maio de 2000, já com a saúde debilitada, João Paulo II regressou a Portugal, para presidir à beatificação dos pastorinhos Francisco e Jacinta Marto; proferiu um discurso à chegada, no aeroporto internacional de Lisboa, a homilia na Missa do 13 de maio e uma saudação aos doentes reunidos na Cova da Iria.
Na mesma ocasião deu-se o anúncio da publicação da terceira parte do chamado "Segredo de Fátima".
Bento XVI recusou um convite para visitar o Santuário em 2007, mas enviou como Legado Pontifício para as solenes celebrações de abertura do 90.º aniversário das aparições de Nossa Senhora, a 13 de Maio, o antigo Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Angelo Sodano. Na carta que enviou ao Cardeal Sodano, o Papa assinala a sua passagem pelo Santuário (13 de Outubro de 1996) e recordou a sua ligação a Fátima, nos tempos de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
"Nós, que já visitámos esse santuário e, como Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, estudámos a mensagem confiada pela Bem-aventurada Virgem Maria aos pastores, desejamos que proponhas novamente aos fiéis o valor da oração do santo rosário, bem como esta mensagem, para que se consigam os favores e graças que a própria Mãe do Redentor prometeu aos devotos do seu Imaculado Coração", aponta.
Bento XVBI foi o responsável, ainda como Cardeal Joseph Ratzinger, pelo comentário teológico da terceira parte do segredo, publicado nas "Memórias da Irmã Lúcia"/ Apêndice III.
Bento XVI assinala que, desde a aparição aos pastorinhos, muitos foram os fiéis que acorreram à Cova da Iria para pedir a protecção de Nossa Senhora nas suas dificuldades. "Há noventa anos, a celeste Rainha da Paz (...) apareceu em Fátima a três pastorinhos, cheios de espanto, enquanto guardavam o seu rebanho. Ao seu amparo têm recorrido muitos fiéis que nos vários perigos se valem da sua protecção", relembra.
Bento XVI visitou Portugal de 11 a 14 de maio de 2010, para assinalar o décimo aniversário da beatificação de Francisco e Jacinta Marto, com passagens por Lisboa, Fátima e Porto. O agora Papa emérito falou aos jornalistas no voo entre Roma e Lisboa, a 11 de maio de 2010, para explicar que "uma aparição, ou seja, um impulso sobrenatural, não vem somente da imaginação da pessoa, mas na realidade da Virgem Maria, do sobrenatural".
Em Fátima, depois de vários discursos e homilias, a imagem de marca foi um momento sem palavras: o Papa em silêncio, olhos fixos na imagem de Nossa Senhora de Fátima na Capelinha das Aparições. Na tarde de 12 de maio de 2010, Bento XVI entregou uma Rosa de Ouro ao Santuário de Fátima, tornando-se o primeiro Papa a fazê-lo pessoalmente em solo português.
No centenário das aparições, o Papa Francisco esteve na Cova da Iria a 12 e 13 de maio, para uma peregrinação em nome da paz, recordando os que estão nas periferias do mundo e os que sofrem, os sem-voz.
Da visita fica a imagem dos oito minutos que permaneceu em silêncio na capelinha, o percurso a pé antes da procissão das velas ou o acenar do lenço branco na procissão do Adeus. Para quem viveu esta viagem de perto, ficou claro que tudo na mensagem de Fátima encaixa nos valores do atual pontificado.
Octávio Carmo
Chefe de Redação da Agência Ecclesia, Vaticanista







